Com um suspiro resignado, ela tomou nas mãos as
aflições do dia e, dobrando-as cuidadosamente, com o respeito e a tristeza que
se tem pelas roupas de alguém que já se fora, colocou-as na gaveta da memória.
Fechou-a e ouviu o gemido do velho móvel que rangia sob o peso das lembranças acumuladas.
Vestiu o pijama de flores miúdas e alegres e, como quem
troca de pele e de corpo, sentiu-se mais jovem, esperançosa ainda. E
mergulhou no sono, macio e morno, como em um edredon feito de penas e flocos de
algodão.
O sono, sem tardar, desceu sobre ela como uma bênção,
uma presença amiga, com mãos de afago.
Em sua mente, como em uma tela em branco, criou imagens
alegres de campos e flores, de dias claros, levemente aquecidos por um sol
radiante, mas suave. Tudo que suas mãos físicas hesitantes e tremidas não
ousavam desenhar, sua imaginação, com rápidas pinceladas, criava com a ousadia dos
que finalmente se dispõem a acreditar em si como parte de algo maior, infinito e poderoso.
Tal como Alice no país das maravilhas, mas e, um lugar realmente
maravilhoso, pois na sua história, todos que encontrava eram gentis, sem
presenças concebidas a partir das próprias sombras internas, ela percorria
confiante e sem sustos.
Porque o seu sonho era bom.
Ela o conduzia por caminhos seguros e largos.
Amanheceu aos poucos, sem sobressalto nem apatia: de
ânimo leve e repousada.
Levantou e não sentiu a mão pesada e apertada sobre o
peito, como nas outras manhãs.
Foi até a gaveta onde guardara bem dobradas suas
aflições, enxovalhadas e puídas de tanto uso.
Nada restara delas.
Nada restara delas.
Abriu a janela e ficou ali, vendo-as sumir no azul.
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