Era uma vez um pequeno rio. Era pequeno porque nascera há não muito tempo. Seu berço era em algum lugar alto perto das estrelas.
Cresceu devagarinho e foi escorregando, rolando pela montanha, bebendo chuva, catando pedregulhos pelo caminho de seu corpo, carregando areia e cascalho.
Era menos que um rio, mais que um filete de água, um rio pequeno, transparente e limpo.
Contente ia abrindo caminho por entre as margens e o campo. Desviava dos outros rios, como lhe ensinaram as nuvens e as estrelas, pois não queria ser um afluente. Queria ser um rio a caminho do mar.
Queria fazer parte sim, mas do oceano.
Aprendeu cedo a desviar, a fazer curvas, sinuoso e atento.
Ia assim coleando pela campina, contente de ver o mundo, de oferecer sua água limpa aos que vinham às suas margens com sede.
Até que um dia, no meio do caminho, uma grande rocha lhe barrou a passagem. Pediu licença para passar, mas ela não respondeu. Fitou-o duramente e permaneceu inarredável, intransponível e soberba.
Represado, foi se avolumando de raiva, mas nada que fizesse o ajudaria a passar por ela.
Seu corpo líquido já não estava tão limpido.
Começou a chorar e a salgar suas águas. Além de meio turvas, perderam a doçura por um momento.
À noite veio e com ela a lua...
Ela veio molhar seus pés redondos e cor de prata no pequeno rio. Ele chorou para a lua. A lua lhe disse:
- Esqueceste do recado das estrelas?
- Acho que sim. – respondeu mal-humorado e triste.
- Elas te ensinaram a desviar, fazer curvas. Este é teu dom, esqueceste?
- Dom?
- O dom de ser flexível.
- Mas por que tenho de ceder? Por que ela, a rocha, tem de ser tão dura e impermeável?
- Não tens de ceder. Contornar é a palavra. Contornar para continuar em teu caminho para o mar. Ela não sairá do lugar, não vai conhecer o mar. Irá desgastar-se com o tempo. És mais feliz que ela.
O pequeno rio entendeu.
O percurso se tornaria mais longo, mas ele o faria.
Entendeu que não estava assim se submetendo à força da rocha. Ao permanecer teimosamente diante do obstáculo, é que se perdia de si mesmo, perdia a oportunidade de poder continuar e evoluir para a sua finalidade.
Contornou a grande rocha. Levou tempo, mas já não importava, pois sabia que, lá na frente, distante, mas já visível e imenso, o Oceano o esperava.
Vânia
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