Ultimamente tenho me sentido presa de uma inexplicável
(ou explicável) angústia existencial. Conversando com algumas pessoas mais
próximas, descubro nelas a mesma sensação. Como se estivéssemos misteriosamente
unidos por fios invisíveis de pensamentos e sentimentos, enredados na mesma
teia gigantesca da vida.
Hoje, após a notícia da tragédia que ocorreu em Santa
Maria, ficou mais evidente esta ligação com ‘o outro’. Fui engolfada por uma
dor que não era diretamente minha, mas que também era minha. Eu me tornava
parte e membro das famílias que sofreram suas perdas terríveis.
Abri o livro que, há dias atrás havia separado para
doar, pois já lera e não tinha intenção de reler. Acabei relendo um capítulo e
‘enxergando’ significados que antes não vira.
Nele encontrei o trecho: “mesmo estando ‘tudo em
ordem’, não conseguimos ficar alguns minutos ‘pensando na vida’ sem ser
invadidos por indefinível sensação de tristeza”.
Pensei: ‘é isto’. Esta sensação é minha, mas não é só
minha. É o que, por alguma sintonia, devido a minhas vivências, circunstâncias
de vida e reações a elas, atraio para mim. De certa forma me predisponho e me
abro para senti-la.
Estamos todos, gotas individuais, mergulhados no mesmo
oceano de sensações. A água que se turva de óleo se alastra e contamina todas
as outras. Nos dissolvemos no todo. Somos parte infinitezimal e, no entanto,
somos oceano.
No livro citado, o autor se refere a um “sentimento
oceânico”, de que fala Romain Rolland.
E eu concluo, sem a pretensão de acertar, que o que
nos perturba é o que também nos pode curar. A consciência de indissolubilidade,
nos pode ensinar que temos o poder de influenciar, não só de ser influenciados.
Podemos treinar a capacidade de nos imunizar, pela cura da gotinha que somos
através do amor.
Não ouso falar de um amor maior, que transcende a
minha capacidade, pelo menos.
Falo de um amor que é mais uma aceitação de nossos
defeitos e de compaixão por nós mesmos. Isto é possível após o reconhecimento
de quem verdadeiramente somos.
Freud fala do ‘sentimento oceânico’ como um tipo de
religiosidade . Ele admitiu que o recurso ao amor como centro de tudo, como uma
das mais eficazes ‘técnicas de viver’. Ele falou do medo de amar, que
paradoxalmente transforma o amor que deveria curar em algo assustador. Ele disse,escreveu,
que nunca nos tornamos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o
objeto amado ou seu amor. Então, por medo de amar, as pessoas não amam. Sofrem
por medo de sofrer.
Resta-nos amadurecer, evoluir espiritualmente, para
amar não uma pessoa, mas o amor em si, amando todos os homens, e não apenas
determinadas pessoas.
À medida que amadureço, sinto mais a dor do outro como
minha, a empatia se estabelece mais facilmente e, se isto me faz chorar, como
hoje, também me faz sentir pertencente, membro da grande família humana.
Amadurecer deve ser isto. Evoluir faz parte disto.
Evoluir é como subir uma escadaria. Não temos o dom da
ascensão que nos eleva, como Cristo, ao alto dela. Mesmo ele, antes de
ascender, subiu carregando sua cruz.
Evoluir exige fôlego. Exige não desistir, mesmo quando
não se sabe quando alcançaremos o cume.
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