segunda-feira, 25 de maio de 2015

O TEMPO, ESTE LADRÃO DAS HORAS.



Ele chega depressa demais. Recebo sua  estranha visita, apressada como uma lufada de vento. Não  senta para descansar e, quando senta, equilibra-se na beira da cadeira, pronto para levantar. 
Quero lhe falar sobre os efeitos devastadores que tem sobre mim, mas não presta atenção às minhas reclamações, sobre as perdas que ele me traz. Recebo sua total indiferença, alheio que está sempre a meus problemas menores.
“Dê um sentido a sua vida”, parece dizer, “não espere que eu pare por você.” E levanta e sai tão depressa quanto veio. Em desespero, corro atrás dele, que me aconselha a não fazê-lo, pois será inútil.
Ele é cruel... e me deixa a contemplar minha imagem desbotada no espelho com total desolação. Aquelas marcas, manchas e vincos, quando foi que imprimiu em minha pele? Tudo culpa dele, com sua eterna pressa.
Desisti de tentar segurá-lo. Ele me escapa das mãos. Parece-me quase invisível, sem corpo, tanto que chego a duvidar de que exista. Ao mesmo tempo é denso e pesa sobre mim. Ainda assim não posso ver como ele é realmente, pois em sua rapidez, capturo apenas a imagem borrada de certas imagens fotografadas em movimento acelerado.
Fazer o quê? Amanhã vou ancorar-me no que sei ser real: minha existência do jeito que é. Em mim buscarei meu amparo, meu repouso, minha aceitação. Sentarei à janela, distraída em lembranças contentes, e talvez eu nem perceba sua passagem pela rua.
O tempo já não me surpreende mais. 

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A MOÇA NA JANELA

Ela tinha aquele olhar de quem olha por olhar sem ver.
Olha pela janela sem ultrapassar o peitoril... com um jeito de pássaro em repouso, sem alcançar o vôo.
Nenhum pensamento ondula a superfície plácida.
Nenhuma emoção ameaça derramar-se do vitral polido, mas seco.
A postura é suave, mas rígida em sua imobilidade.

Eu diria que é de porcelana ou cerâmica: uma destas namoradeiras tão em moda. Mas que não namora. Não se digna sequer a reparar nos passantes.
O único movimento é o do vento nos cabelos, desarrumando pensamentos, se é que os tem.








segunda-feira, 11 de maio de 2015

CHUVA

Na segunda-feira até a chuva surpreende ao descer em um ritmo novo. 
Não obedece ao  traço vertical costumeiro.
Na verdade não cai... rodopia em um valsa de minuto nos salões do céu, branco de tão lavado.
Posso imaginar dervixes em transe, rodando vertiginosamente com suas saias rodadas e molhadas de chuva. 
Segue os passos da música do vento.
Depois cai tão levemente que parece pairar no ar como asas de beija-flores invisíveis.
Cai serenamente em uma meditação silenciosa na manhã de segunda-feira.


domingo, 10 de maio de 2015

MINHA MÃE E EU


          Quando eu era criança minha mãe era para mim puro encantamento.
          Lembro de um dia, ao andar com ela de mãos dadas pela rua, de observá-la de baixo para cima e pensar em como ela era grande, forte, inteligente, perfeita, capaz de qualquer coisa por mim. 
          Ela me passava um segurança da qual até hoje sinto falta.
          Depois percebi que não era assim tão alta, nem tão forte, pois havia muita tristeza suspensa no azul de seus olhos, que faziam meu coração transbordar de lágrimas que eram dela mas também eram minhas; Percebi que sua aguda inteligência, que eu assim interpretava, pelo rápido raciocínio e pela memória prodigiosa de sua mente organizada, não alcançava certas sutilezas para me interpretar melhor. 
           Mas sei que faria tudo por mim, embora fosse, na maioria das vezes, tudo que ela queria para si mesma.
           Fui então achando defeitos, como quase sempre os filhos acham à medida que crescem. 
           Mas continuei buscando e encontrando segurança nela. Segurança que, hoje sei, não era tanta. Ela não era de admitir que fraquejava. E isto fez com que eu não visse sua fragilidade e carências.
           Precisei envelhecer para ver seu rosto no espelho, quando me observo atentamente. 
           E a vejo: nem não alta, forte, inteligente, perfeita, segura, mas amo a nós duas mesmo assim. E sinto falta, uma enorme saudade de  caminhar com ela de mãos dadas pela rua. 
         
Era um tempo de puro encantamento.

sábado, 9 de maio de 2015

SOLIDÃO

O medo da solidão é tanto
que me vou de encontro a ela,
antecipando-me
para que não me surpreenda desavisada
e vulnerável.


talvez não seja medo,
pois que estar só pode ser bom,
mas só quando se sabe que não é para sempre.

Quando o tempo passa
e quem se espera não vem,
o atraso de um minuto se transforma em horas
e nos sentimos em suspenso
no ar irrespirável.