sexta-feira, 27 de julho de 2012

RESSENTIMENTO

Iman Maleki

Quanto aos ressentimentos? Fazem mal é claro. Todo mundo sabe.
Desabafar com alguém, alivia um pouco, mas ele, o ressentimento não some. Às vezes até reaviva, como uma brasa que ativada por um sopro se transforma em chama novamente.
Um bom ouvinte ajuda. A empatia já é suficiente. Mas nem sempre.
Quantas vezes ouvimos - “ Esquece... Tem de esquecer e virar a página. Tocar para a frente.” - Fácil assim... Mas a  memória, que com o tempo enfraquece, é zelosa, no entanto, em guardar ressentimentos. É uma acumuladora compulsiva e teimosa. Obsessiva e punitiva. Só que pune o queixoso, não o causador das queixas.
Não dá para esquecer. Não porque se queira lembrar. Simplesmente porque ele, o ressentimento, não obedece a nossa vontade. Pertence à memória.
Os mais bem intencionados dizem “Perdoa”. Mas é preciso para isto elevar-se acima de nossa condição humana, dominada ainda pelas fixações mesquinhas. Quem está vulnerável está ‘por baixo’. Não alcançou dimensões mais altas, onde a mágoa não tem vez, porque lá não existem os que magoam nem os que são magoados. Todos são justos e têm uma ética acima de qualquer lei inventada pelo homem. Lá, na tal dimensão que vem depois desta, não existem leis, nem regras, porque não precisa. Não há necessidade de transgredir. Haverá um lugar assim ou são delírios de quem, como eu, sonhadora incurável, aspira por isto?
De qualquer forma, não é onde habitamos. Este é um mundo de humanos e desumanidades.
Então o que fazer com o ressentimento? Ignorá-lo é impossível. Ele é a sombra que carregamos. Por uma pá de terra em cima não dá. Não podemos enterrar o que está vivo e pulsando dentro do peito. Absolver quem nos magoou? Para absolver é necessário julgamento e um culpado. Mas quem somos nós para julgar?
Volto à ideia do perdão... mas não como absolvição, nem como um ato de amor e bondade, para o qual nosso coração nem sempre está pronto, mas como doação.
Per doar pode significar ‘doar para’. Oferecer não para outro o peso de nossa dor, mas sim oferecer ao Universo (ou Deus) a dor que sentimos para que faça com ela o que for melhor.
E assim absolvemos a única pessoa que podemos libertar, a nós mesmos, deixando espaço em nosso coração para a leveza.
   

Iman Maleki

quarta-feira, 25 de julho de 2012

SOBRE A SOLIDÃO

Tela de Iman Maleki - pintor iraniano



"O que torna as pessoas sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nela, a si mesmos." Schopenhauer

Solidão é uma coisa; estar só é outra. Isto todos sabem.
Privacidade é uma coisa boa, restaura nossa alma e organiza nossos pensamentos; privação de contato humano desumaniza, faz-nos perder referências, desagrega. Afinal somos gregários. Digo isto com minha opinião de leiga sobre o assunto, baseada apenas no que sinto, não em nada que tenha lido a respeito.

Iman Maleki


Mesmo que sejamos pouco sociáveis, obrigamo-nos a buscar companhia e a ser 'sociáveis', gentis, prestativos, etc., porque somos 'incapazes de suportar a solidão' e a nós mesmos. Nossa própria companhia  torna-se insuportável, porque não estamos plenos.Então tornamo-nos seres sociáveis, o que quer que isto signifique, mesmo que superficialmente.


Iman Maleki




Por trás da amabilidade (nem sempre aparente é claro) esconde-se o desejo egoísta de preencher nosso vazio. Nem sempre aparente porque, muitas vezes, neste exercício de socialização, um sentimento próximo do afeto se instala e torna-se genuíno. Quando isto acontece, mesmo nos momentos em que estamos sozinhos, não nos sentimos mais assim. 
A presença do outro preenche nosso coração.


Esta e as que seguem são do mesmo pintor Iman Maleki.




MINHAS PINTURAS EM CERÂMICA


Pinto em cerâmica branca e emolduro depois. Inspiro-me em cartões de Natal, em outras imagens, que copio e reproduzo. Depois de pintadas, vão para o forno próprio para cerâmica, a fim de serem queimadas.
paisagem nos Alpes... eu acho

mulher em frente à floricultura

Uma cidade medieval alemã




Esta foi inspirada nas telas de Leonid Afremov. Adoro o colorido e as cenas de chuva muito frequentes na sua pintura.
As telas dele são incríveis (para quem gosta de intensidade). Não dou nem uma pálida idéia do que elas são. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

NINGUÉM É INSUBSTITUÍVEL


E então surgem aqueles dias em que achamos que não fazemos falta alguma, que nossos defeitos superam os talentos que talvez tenhamos, mas não reconhecemos, focados que estamos em nossas limitações e fraquezas.
Ficamos insistindo em superar 'defeitos', aumentando nossas inseguranças acumuladas ao longo de uma vida, deixando de lado o 'dom' que nos foi concedido, por não reconhecer nele a importância que deveria ter. Nós o enterramos em vez de multiplicarmos a dádiva recebida e a oferecermos a quem possa beneficiar-se dela.
Negamos a nós mesmos, com a desculpa da timidez e de uma modéstia que apenas mascara egoísmo e orgulho. Desejando ser  'melhor' do que julgamos ser, escondemo-nos e nada somos.

Resumo aqui um texto que recebi por e-mail...
'O diretor de uma multinacional inicia uma reunião com a seguinte frase:
 "ninguém é insubstituível"!
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.
De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:
-- Alguma pergunta?
- Tenho sim. E Beethoven?
-- Como? -- o encara o diretor confuso.
-- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven?
Silêncio…
O funcionário falou então de personalidades que, por seus talentos, marcaram a história fazendo o que gostavam e o que sabiam fazer bem, e, por isso, fizeram seu talento brilhar. Eles mostraram que são, sim, insubstituíveis. Acrescentou que havia  necessidade de desenvolver o talento da sua equipe, em focar no brilho de seus pontos fortes e não utilizar energia em reparar seus 'erros ou deficiências'.
Fez uma pausa e prosseguiu dizendo que acreditava que ninguém se lembra e nem quer saber se BEETHOVEN ERA SURDO, se PICASSO ERA INSTÁVEL, CAYMMI PREGUIÇOSO, KENNEDY EGOCÊNTRICO, ELVIS PARANÓICO… O que as pessoas querem é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos. Mas cabe aos líderes de uma organização  descobrir os PONTOS FORTES DE CADA MEMBRO., em vez de apontar suas fraquezas,  correndo o risco de ser aquele tipo de ‘técnico de futebol’, que barraria o Garrincha por ter as pernas tortas; ou Albert Einstein por ter notas baixas na escola; ou Beethoven por ser surdo. Assim o mundo teria PERDIDO todos esses talentos.

Conclusão:
PORTANTO NUNCA ESQUEÇA: VOCÊ É UM TALENTO ÚNICO! COM TODA CERTEZA NINGUÉM TE SUBSTITUIRÁ!
"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo..., mas posso fazer alguma coisa. Por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso."
"NO MUNDO SEMPRE EXISTIRÃO PESSOAS QUE VÃO TE AMAR PELO QUE VOCÊ É… E OUTRAS… QUE VÃO TE ODIAR PELO MESMO MOTIVO… ACOSTUME-SE A ISSO… COM MUITA PAZ DE ESPÍRITO…"

segunda-feira, 9 de julho de 2012

VISITAÇÃO



Igor Zenin

      A primeira coisa que ouço é seu passo arrastado, pesado.
     Estremeço com a perspectiva de uma visita tão cedo... E logo de quem!
     Ainda estou na cama. Espreguiço-me, alongando cada músculo e nervo contraído pela noite fria...
    Ela que espere.
    O ‘seu (o mesmo para ‘senhor) Senso’, como eu o chamo por ser sensato e sábio, aconselhou-me que trocasse as fechaduras da porta. Assim ela não entra quando quer. Tem de tocar a campainha.
    Mas ela não toca. Não mais. Não por educação, mas por receio. Sabe que não gosto. Agora ela bate, com as pontas dos dedos, como se tamborilasse, delicadamente. Antes ficava com os nós dos dedos brancos, depois avermelhados, de tanto insistir, até que eu, cansada, abria.
   Os passos cessaram... Levanto da cama, vou até a janela e espio. É ela. Figura desagradável, com seus olhos caídos como os cantos de sua boca, os vincos aumentados. Não seria feia, se não fosse seu jeito.
   Desta vez, nem se atreve a bater. Eu finjo que não sei que ela está aí. Finjo que não estou. Viajei. Saí cedo e não voltei. 
   Não abro as persianas. Espero que ela desista e vá embora.            
   Não desiste. Ouço os passos arrastados, esmagando as folhas de plátano em frente à janela.
Igor Zenin
Igor Zenin
   Eu me escondo. Ela espia pelas frestas... ansiosa.
   Ai, meu Deus! Não posso ficar assim a manhã e a tarde toda, quem sabe. Sei o quanto ela pode ser persistente.
   Um leve tamborilar. Ela ‘sabe’ que estou em casa. Deve ter ouvido minha respiração encurtada pela ansiedade, ou o suspiro que não pude evitar quando percebi sua presença do lado de fora.
   Se eu deixá-la entrar, sei que não irá tão cedo. Não estou com paciência para ouvi-la queixar-se. Conheço suas histórias de cor e salteado. Histórias sobre perdas: de afetos, de gente que já se foi, de coisas materiais, de oportunidades, de esperança, de saúde. Conheço-as bem porque eu as vivi. E menos disposição tenho para sentir sua mágoa que, depois que ela vai embora, sinto-a ainda grudada a minha pele, entranhada em mim. Pois contamina.
   E, depois, ela fala, fala, sempre do que já ficou para trás. Fala de mim mesma, de minha infância solitária, reaviva sentimentos e fatos que eu nem lembrava mais. Ela me conhece desde pequena. Parece gostar de mim, mas não gosta. Precisa de mim para poder existir. Alimenta-se de dor e de lembranças. Por falar nisto, ela está mais magra. Não tenho lhe oferecido nada para comer.
   Penalizada, estou quase deixando-a entrar. Um café com bolinhos quem sabe, e ela se satisfaz e vai embora.
   Não vai. Eu a conheço.
   Pelas frestas fiapos de luz dourada passam para o interior de minha casa.
   O sol convida a abrir as janelas. Pede um passeio lá fora.
   Cansei. Vou vestir-me, sair, enfrentá-la. Se pedir para entrar, pois ‘precisa’ tanto falar comigo, delicada, mas com firmeza, direi que não, que vou passear simplesmente, sem inventar desculpas de que tenho hora marcada, que não pode ser adiada, em algum lugar.
   Inadiável mesmo é a minha felicidade.
   Faço isto e não me constranjo de coar o café e deixar que seu aroma se espalhe pela casa e alcance a figura triste lá fora.
   Abro a porta. Ela tenta tocar-me. Não consegue. Seus dedos não atravessam a dimensão em que naquele instante habito.    Não precisei afastá-la. Ela entendeu. Não faz mais parte de minha história, que começa agora.
   Ela se afasta...
   Ela: a Tristeza.
   E eu saio para a rua ensolarada.
    




Igor Zenin